10/09/2020
Na última sexta-feira foi-se embora o Manuel Carlos da Silveira, meu “tio Mané”. Barbeiro como seu pai, o seu Antônio, e exatamente como ele, uma pessoa simples por fora mas bem grande por dentro.
Das muitas lembranças que tenho do meu tio, impossível esquecer as pescarias de lambari na ponte da Beter. Minha avó Neguinha levava o arroz já pronto e ia fritando os peixinhos ali mesmo, debaixo da ponte. Mais contente que eu, ainda menino, fica meu tio Mané por ter que me ajudar a iscar o anzol com macarrãozinho, de tanto lambari que puxava no melhor “poço” que ele me colocava!
Como bom frequentador e conhecedor da cultura do boteco, meu tio também era craque na sinuca. Foi o primeiro a me ensinar os segredos da bola branca, como bater com o taco pra que ela acompanhasse a outra, parasse no seu lugar, ou até recuasse, ajeitando melhor a próxima tacada, ou sinucando o adversário. Mané gostava de jogar “defendendo”, como ele dizia. Ficava bravo se o parceiro só pensasse em encaçapar, sem se importar aonde deixava a bola branca.
Assim como eu, meu tio era corintiano roxo! Jamais me esquecerei o dia em que eu, meu pai e ele entramos no carro e cortamos uma Rondon ainda não duplicada para assistir à final do Paulistão no Morumbi, entre o Corinthians de Viola e o São Paulo de Raí. A multidão era tanta que, embora tivéssemos ingressos para a arquibancada numerada, fomos parar no setor das “cativas”! E assistimos “de camarote” o Tupãnzinho se esticar todo pra fazer, meio que de carrinho, o único gol da partida. Meu pai, santista, não deu muita bola, mas meu tio Mané não se continha de tanta alegria me abraçando como se levantasse a taça!
Mas a vida também aplicou golpes duros no meu tio. A primeira provação, quando foi detectado um aneurisma na base do crânio (de acesso dificílimo) de sua mulher, minha tia Ivone. O processo foi muito complicado e quando ela conseguiu ser operada em São Paulo, algumas sequelas foram inevitáveis. A partir de então, eu comecei a entender o verdadeiro valor de meu tio, que por muitos anos seguiu cuidando de sua esposa com amor, paciência e compreensão. Pois o Mané era assim: impossível encontrá-lo nervoso ou mal humorado, sempre tranquilo, com um sorriso no rosto pra puxar uma conversa sobre algo de proveito. Era assim que eu o encontrava no seu salão, no meio dos fregueses, sempre que ia cortar meu cabelo. E ele nunca deixava eu pagar pelo corte...
A palavra padrasto também não combinava muito com ele, não. Ele era igualmente pai, fosse para o filho natural ou o enteado que retribuiu o amor cuidando dele com todo carinho e atenção até o final, com o câncer já invencível. Aliás, em matéria de ser pai, o Mané é exemplo pra todos nós, um verdadeiro pai-herói! Quando nós pais tivermos alguma dificuldade com um filho, basta lembrar do Mané que, apesar de todo sofrimento, entregou-se totalmente, como ninguém, com seu amor infinito de pai!
Vai em paz, tio Mané, que eu desconfio que lá em cima seu lugar não vai ser nem na geral, nem na numerada, mas sim na cativa!
Euclides Marques (Clidinho)
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